- Entre, feche a porta.
Está comigo desde a fundação da empresa, é focado, um óptimo profissional, tem um conceito inovador sobre o negócio e apesar de já estar no ramo muito antes de eu entrar nele não se deixou levar por vicios nem por encostos, é leal, não traz assuntos privados para a mesa de trabalho.
- Temos dois assuntos importantes para conversar.
- Falemos.
Olha-me nos olhos. Não sei muito dele para além destas paredes, é divorciado, tem um filho, não lhe conheço outras mulheres de roda dele, desconheço-lhe os interesses particulares para além do gosto pelas viagens. Solitário.
- O assunto do Daniel com a Paula mantém-se. Apesar de eu já ter falado com ela. Continua a descer o seu interesse pelo projecto.
- Está apaixonada.
- Eu quería que ela tivesse esssa paixão pelo projecto. Tanto se me dá como se me deu se o é pelo Daniel, mas não aqui! Está a perturbar o ritmo de trabalho e agora começa a alterar também o de outros!
- Quer que eu fale com ela?
- Não, eu já falei. Acho que temos de tomar outras medidas.
- Quais?
- Provavelmente dispensá-la. Um elemento assim não traz mais valia ao projecto e até atrapalha.
- Está a falar em despedi-la?
- Que me diz?
- Derradeiro...
- Eficaz, Magalhães, muito eficaz.
- Deixe-me falar com ela... Sei que já o fez, mas talvez ela tenha entendido que se tratava de uma conversa de mulheres.
- Desatou a chorar! Aqui, nessa mesma cadeira onde você está sentado!
- Deixe-me falar com ela. E mande-a de férias antecipadamente. O afastamento pode trazer algum beneficio ou pelo menos deixa de ser um elemento perturbador.
- Muito bem, faça o que tem de ser feito. Se a questão persistir no regresso dela, terei mesmo de a despedir.
- E o outro assunto?
- Férias, as minhas. Preciso de me ausentar por uma semana e quería que ficasse a tomar conta disto. Sei que não é a primeira vez que vou de férias mas nunca tivémos tanto trabalho entre mãos...
- Problemas?
Ficámos numa fracção de segundo a olhar um para o outro, um contacto eléctrico, uma tensão como aquelas que sentimos no pescoço antes da trovoada aparecer. Reparei na sua pele bronzeada em contraste com o cabelo prateado, não é um homem bonito mas é atraente e tem umas mãos que parecem falar.
- Alguns... nada de mais, tudo se resolve. Apenas preciso de saír, arejar, tomar decisões.
- Arriscaría dizer-lhe que são coisas que arrasta... e que agora tem de pôr um ponto final. Mas sei como não gosta nada de falar de si e de misturar trabalho e vida pessoal. Por isso só lhe posso dizer que pode ir, que eu tomo conta do leme. E uma semana passa depressa...
- Porque me diz isso Magalhães?
- Sinto-a agitada. E no entanto, contida...
- Porque diz isso?
- Se quiser falar eu estou à sua disposição. Sabe que a admiro, Edna.
- Não há nada para falar Magalhães, preciso de férias, apenas isso.
Ele levanta-se, fecha a agenda suavemente, ouço o click do fecho metálico, suspira longamente, olha-me e depois sai, deixa a porta aberta.
Será que estou a ficar transparente?
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