Falemos de mim, então.
Como me é dificil manter uma conversa séria com um homem que usa meias brancas. Frouxas nos artelhos. Que escondem nos sapatos de sola demasiado grossa para esta época, umas biqueiras e calcanhares já esfarelados pelo uso, amarelentos. Traça a perna, parece não se importar com o aspecto desleixado das suas meias e do impacto que esta visão tem sobre mim.
Enquanto folheia o meu processo vai deitando o rabinho do olho para as minhas pernas traçadas. Recém bronzeadas e com um halo a âmbar. Deve estar a tentar adivinhar de que cor será a minha lingerie. Talvez branca por causa da saia branca, mas prefere imaginá-la preta, é outra sedução, outro fétiche.
Falemos de mim e como acho sinceramente que estas sessões fazem melhor ao meu potencial e hipotético curador de almas do que propriamente a mim, a doente.
De como lhe noto um agrado na voz quando me vem receber à porta de mão estendida e me cumprimenta com um ênfase exagerado como estamos hoje.
Hoje estamos como estávamos ontem, cretino.
Falemos de mim pois, e de como creio que este idiota é o tipo de homem que gosta de mandar ramos de flores anonimamente e deixar escapar entre uma roda de amigos que desempenha o papel de um admirador secreto. De como se sente especial quando os amigos comentam a sua atitude. No fundo o prazer é mais dele do que a visada. É uma espécie de masturbação mental ao delinear a cena da mulher ao ser surpreendida pela entrega do ramo e após os primeiros segundos de surpresa, a inquietação quanto à identidade do autor de tal façanha.
Falemos de mim e de como um homem que usa peúgas brancas é um sério candidato a admirador secreto.
Deixou caír as suas notas. Talvez ao baixar-se para as recolher consiga ver de facto, de que cor são as minhas cuecas. E de como tem as meias frouxas nos tornozelos.
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