Falemos de mim, então.
De novo nesta sala em que me sinto dentro de um aquário, algas a tentarem enlear-se nos meus tornozelos, ele o peixe.
Sabíam que os peixes têm uma média de memória de 8 segundos?
Deve ser por isso que toma tantas notas, não se consegue recordar do que se passou desde a última vez, tem medo de tropeçar nalgum pormenor embaraçoso da minha vida e projectá-lo sobre a figura do meu pai.
Falemos de mim e do meu pai, então.
Ou do que não há para falar.
Pirou-se. Esta é a palavra certa para designar o que fez. Eu nasci, ele teve medo e pirou-se.
Já sei o que este marmelo idiota me vai dizer: que a minha insatisfação sexual é por causa da figura paternal sempre ausente. Previsivel, freudiano.
Não adianta de nada eu dizer que não tenho insatisfação sexual, aliás até tenho bastante. O que não tenho é estofo para aguentar alguns palermas com quem me tenho cruzado na minha vida.
A seguir vai falar da minha mãe...
- E a sua mãe?
(Eu não disse?)
- A minha mãe ficou desesperada, sei lá, acho que ficou, eu tinha acabado de nascer!
- Qual é a sua relação com a sua mãe?
- Eu sou a filha, ela é a mãe.
- Acha que ela a condena pelo abandono do seu pai?
- Não sei, nunca falei disso com ela. O meu pai é assunto arrumado, não se fala dele.
- A sua mãe condena-a pelos homens que tem tido?
- A minha mãe não sabe nada da minha vida intima. E vai continuar assim.
(Agora vai falar-me do casamento, aposto)
- Esconde-a? Acha que é objecto de vergonha?
(AH! Enganei-me!)
- Não a escondo mas é minha, não é publica.
- E o casamento?
(Eu sabía...)
De repente sinto-me um peixe, uma memória de apenas 8 segundos sobre as perguntas que disparou, tão pouco das minhas respostas há um fio que me conduza de novo à conversa.
Se este homem não mudar a cor das paredes da próxima dou-lhe um tiro.
1 comentário:
Para mim tu tens muito da Marlene Dietrich. É um elogio, porque eu admiro-a, assim como admiro a tua frontalidade e a tua ironia. O teu diário é uma delícia.
Um beijo
marisa
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