quarta-feira

A última vez que usei o meu vestido preto de cocktail foi num encontro para empresários do ramo.
Um cretino que não sabe beber e que tagarelou incessantemente acabou por entornar a bebida por cima de mim. Em frente ao espelho, nos lavabos, tentei que a mancha se volatizasse. Foi quando me veio à memória que tinha posto aquele mesmo vestido num funeral, uma quase obrigação profissional pois tratava-se de um familiar de um cliente fidelizado, ou não tería lá posto os pés.
Fujo deste número, abomino o cortejo de pesâmes e todo o ritual que envolve a cerimónia.
Mas o que dá cabo de mim são as lágrimas, o ar entrecortado daqueles que já não têm mais força para expôr tanto sofrimento e que são sempre avaliados pelos presentes em vários graus de saudade consoante a intensidade do carpir.
Apetece-me sempre atirar um ou outro para a cova em substituição do defunto...
Sofro com o sofrimento dos outros, talvez até mais do que com o meu que sei como hei-de administrar. Nos outros não.
Por isso evito expôr-me a estas e outras situações, viro costas à dor, não quero comover-me, sentir-me frágil e sensível. Não é fazer papel de dura, é apenas precaver-me.
Mas de quando em vez lá acontece. Como a bebida entornada no meu vestido preto de cocktail.

1 comentário:

SONY disse...

Revejo-me aqui!

Serei eu também uma "Edna"?

sinto-me estranha ao ler tido isto, parece o meu diário secreto, tirando uma coisinha ou outra, mudando...

Estranha, estou...o bem que esta Edna me está a fazer!
Um dia conto-te...talvez

sony