- Sabes o que te digo?
(Come com gosto, quando aperta o garfo entre os lábios, numa fracção de segundos fecha os olhos)
- Não, diz lá...
- Parece que tens um instinto natural para pescar gajos que não prestam.
- Custa-me, mas tenho de concordar contigo.
(Mastiga devagar, a boca cerrada mas não apertada num vinco)
- Sabes que tenho razão! Melhor! Ou direi pior! Tu, tu sabes que tens um azar dos diabos com as tuas escolhas. Se bem que és sempre tu que os escolhes... lá diz o ditado quem muito...
- Poupa-me! Abomino esses ditados e provérbios!
- Que te faz escolher um gajo e não outro? Não consigo achar um perfil... são sempre diferentes! Sempre!
- Isso. Serem diferentes. Do último já eu conheço. Quero outro tipo. Não gosto de repetir. É como procurar o engano pela segunda vez.
- Por falar em repetir... Este bacalhau está divinal...
(Busca na travessa, os olhos brilham)
- Podes comer tudo, não quero mais.
- Não?! Não gostaste? Isto está óptimo! Tenho de dar os parabéns ao Chef!
(Passa a lingua nos lábios, estão brilhantes, vermelhos)
- Gostei, mas para mim chega. Vais ficar enjoado...
- Não! Essa é a grande diferença: gosto e por isso não enjoo. Por outro lado, este bacalhau para ti é o mesmo que um gajo que tu até gostas mas acabas por enjoar e enquanto não afastas a travessa de ti não sossegas. Ou seja, enquanto não pões o desgraçado a milhas não descansas! Parece que tens um quase medo de gostar...
- Que queres? Farto-me. Umas vezes por ser perfeito, perfeito demais, outras por se tornar um banal rapaz que conhece rapariga e banalmente têm sexo três, quatro vezes por semana...
- Porque tu o banalizas, queres banalizar.
- Não, não quero. Apenas acontece. Entra tudo numa rotina sem piada nenhuma... telefone, horas marcadas, jantar, cama. Sendo que o prato servido é sempre o mesmo.
- Terías dado um belo de um macho!
- Ofendes-me...
(Na última garfada desliza devagar o talher pela boca. Sensualmente)
- A verdade, Edna, a verdade, Chérie...
- Nunca tinha reparado na tua boca... é um veneno autêntico... de desejo.
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