segunda-feira

Telefonei ao Magalhães. Hoje não vou, não consigo mexer-me, não sei o que tenho, devo estar a chocar uma daquelas gripes de Verão que nos doem até aos ossos.
Dispensei a empregada, não quero ver ninguém, nem escutar um ruído que seja quanto mais estar a responder a questões do foro doméstico.
Também não fui correr, sinto o corpo pesado, as pernas pesam uma tonelada, acho que tenho frio. Deve ser febre, não sei, nem sequer tenho termómetro em casa, nunca fico doente e se pressinto qualquer coisa ignoro, não deixo que nada tome controle da minha vida e do meu corpo.
Na verdade não me dói nada. Parece que fui anestesiada.
Só precisava que a cabeça parasse um pouco, este vai-vem alucinado que me faz correr para o meu saco do lixo, abri-lo, remexer naquele sangue todo, talvez aproveitar o dia de hoje que não saio de casa e arrumá-lo de vez, emparceirar membros que tenho à solta sem os respectivos esqueletos.
Não me lembro se ontem me doeu, já fiz um esforço enorme para reconstituír toda a cena, mas parece que me faltam pedaços, não têm sequência lógica os que consigo recordar com nitidez. Já tentei agarrar-me a um ou outro bocado que me lembre bem mas depois não apanho o fio à meada. Acho que não me doeu, não me lembro. Hoje não me dói. É só uma sensação estranha na barriga, muito semelhante ao vazio depois de se vomitar, aquele buraco que parece colar a pele da barriga às costas, ou melhor às costelas, tudo colado, uma membrana fina e elástica, jogo de cintura, literalmente.
Creio que perdi a noção do tempo, sinto-me em casa há séculos, como se sempre estivesse estado prisioneira dela e do saco de lixo, de arrasto para qualquer divisão onde me desloque.
Hoje não vou e amanhã, se calhar, também não.

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