quarta-feira

Por falar em comida...
Nunca servi o pequeno-almoço a ninguém mas já mo serviram a mim. Umas quantas vezes. Inesquecível. Estava apaixonada.
Na verdade estava mais do que apaixonada, amei aquele homem até à dor.
Depois dele nunca mais ficou ninguém na minha cama até à hora do pequeno-almoço. Enxoto-os. Começo a pensar como serão de manhã: a barba crescida, mau hálito, remelas, devem fazer pontaria para urinar provocando aquele ruído irritante. Prefiro lembrá-los na frescura e depois, gosto de ter a cama toda só para mim.
Ele era diferente.
Até o som da respiração me agradava, fundo, uma paz, um verdadeiro descanso que me enchía o quarto. Muitas vezes acordava e ficava a ouvi-lo, a ver recortado na penumbra o peito a subir e descer. Eu pouco dormía, não quería perder um minuto que fosse daqueles momentos tão intimos em que se toca a vida ao nosso lado.
Pela manhã acordava-me silencioso, abría uma pequena fresta do cortinado, ajudava-me a encostar nas almofadas, passava-me um copo de sumo, o café com um cherinho que nunca mais senti... Não me beijava, compunha-me o cabelo de uma forma suave, olhava-me nos olhos, segurava o meu pescoço. Não me dizía nada.
E no entanto eu entendía que aquele tabuleiro de pequeno-almoço servido na cama era um carta de amor.
"As cartas de amor são ridiculas", dizía o Pessoa.
Pois são. E não perduram.

terça-feira

Não sou mulher de casa, caseirinha, prendada.
Desenrasco-me quando a empregada não está ou não me deixou comida feita no frigorifico e não me apetece saír. Mas confesso que não tenho a menor apetência pelo cheiro dos cozinhados e a gordura da louça é uma coisa que quase me repugna.
Não quer isso dizer que não aprecie um bom prato e regalo-me quando deparo com um homem que tenha a capacidade de ir para a cozinha fabricar uma massa "al dente" só para me impressionar com os seus dotes extra.
Atrapalho-me quando me começam a falar de ingredientes e de tempos de cozedura: calo-me ou tento levar a conversa para outro rumo. Perante a revelação (quase arrancada a ferros) de que não é matéria que me proporcione encanto murcham; não todos, mas a maioria.
Claro que quando lhes sirvo outros pratos isso é absolutamente posto de parte.
Pergunta: quem é bom na cama não é bom na cozinha?
Não deve ser... há-os bons no sexo e bons a confeccionar. E não me parece que isso seja apanágio masculino e separação de águas no feminino.
Eu não gosto, não me motiva.
Mas surpreendo-os quando demonstro o meu gosto e conhecimentos por vinhos.
Pergunta: a mulher não pode gostar da arte vinícola que se torna menos feminina?
Hum... ele que se agarre aos tachos que eu escolho o vinho.
(Depois podemos agarrarmo-nos).

segunda-feira

Aconselharam-me a desenvolver uma actividade desportiva em grupo como terapia para o meu destempero.
Procurei um ginásio e venderam-me um conceito inovador de aulas exclusivamente femininas. Macho não entra.
Desconfiei assim que entrei nos balneários. Muita conversa, muita troca de pontos de tricot e cozinhados, beijinhos à chegada, todas muito intimas.
A aula foi uma seca: não deu para queimar metade do que habitualmente desgasto nas minhas solitárias corridas matinais. Interrupções a toda a hora para gemerem sob os ab e uma exibição desmesurada que até cheirava a novo dos equipamentos em lycra colorida.
Mas o bom foi no regresso aos balneários. Poucas tomam duche, envergonham-se de peitos virados para os cacifos a ajeitá-los nos wonderbra.
Não olham directamente para o corpo umas das outras, coram na fala contínua e esganiçada dirigida ao rosto como se tivessem duas palas nos olhos.
Apanhei umas três a darem cotoveladas à socapa quando me despi e fui para o duche de toalha ao ombro. Admiraram a minha depilação artistica, um pequeno fio anelado que as escandalizou.
Não voltei a pôr lá os pés, perdi o amor aos euros da inscrição.
Não há nada como sentir o vento na cara, correr até ficar sem ar, o único beijo o que o sol me dá quando desponta no horizonte.

domingo

Perdi um cliente para um rival de mercado.
Detesto-o, é gordo e está permanentemente a apertar o nariz com aquelas mãozinhas sapudas. O cliente até que nem trazía mais valia e era um chato mas perdê-lo para aquela bola de sebo é que eu não aguento.
Lá veio o fiozinho de sangue no isolamento do meu gabinete. Tomei uma pastilha, dali a uns 45m fiquei mais relaxada, mas o que me apeteceu foi devastar a secretária, arrancar a estante da parede e desancar o gordo.
Controlo-me nesta imaginação violenta em que humilho aquele sacana, visto-me de sado e espeto-lhe o meu salto agulha naquele rabo imenso até ele chiar como um porco.
- Entre, feche a porta. Sente-se.
Sentou-se. Não lhe vejo preocupação no olhar, na fronte.
- Como é que perdemos este cliente para aquele miserável?
- Pelo preço. Era um cliente que não se importava de ter baixa qualidade desde que a reduzido preço.
- Fizémos vários projectos para lhe apresentar? Vários preços?
- Não, o cliente demonstrou desde o primeiro momento que se fosse possível quería o projecto a custo zero e isso..
- E isso é impossível. E por isso perdemos o cliente para aquele gordo.
- Quem?! Ele já não é gordo, fez um tratamento e está bastante magro! Há quanto tempo não o vê?
Deixei de o ouvir, acho que transpirei o efeito da pastilha e atirei com a bola pisa-papéis contra a porta, ele encolheu-se na cadeira. Depois levantou-se, agarrou a bola de vidro (nem se partiu!) e pousou-a sobre a minha mesa.
- Obrigado, pode ir. Bom trabalho.
Que ódio!
Todos os meus sonhos fetichistas de me vingar no gordo foram por água abaixo!

sábado

Desde criança (lembro sempre os meus pais falarem-me disso) que quando me contrariam ou me contrario ou as situações a isso me obrigam que sangro do nariz.
Não é nenhuma explosão de sangue mas um fiozinho incomodativo e constrangedor. Já tentei controlar-me mas a minha natureza fala mais alto e quando o pressagio e seguro o lenço junto ao nariz já sei que a surpresa de quem o vê tingir-se de vermelho me vai apontar como uma grande descoberta que eu estou a sangrar.
Recorri a um otorrino, talvez uma laqueação, mas não há nada para vedar.
É psicossomático. Não estou doente, só a minha contrariedade.
Penso o dia em que perante uma adversidade terrível esse fiozinho me desfaça e me volte do avesso.
E tenho medo.

sexta-feira

Detesto zangar-me por questões de opinião. De gostar, criticar, ressaltar os defeitos e exaltar as virtudes.
Acabo sempre por falar alto e algumas vezes até grito e agito os braços de mãos fechadas. Sei-o porque os meus amigos já me chamaram a atenção para essa atitude e eu neguei. Mas têm razão e isso ainda dá mais revolta.
Quando acalmo, peço-lhes desculpa, eles sorriem sempre e dizem que sabem que eu sou assim, mas apontam-me o facto de eu nem sempre estar eles e a maioria não está para me ouvir aos berros a fazer valer a minha opinião.
Mas isso não é de todo verdade: só me comporto assim com eles, estou à vontade, mesmo que o espadachim verbal me salte da veia da testa por querer que eles me entendam e vejam a coisa da minha perspectiva. Não pretendo que concordem comigo, não tenho essa mania de querer que tudo seja da mesma cor e que tudo seja à minha vontade. Aliás isso sería o fim do mundo...
Porém, dou comigo, compulsivamente, quando fico sózinha a pensar se entre eles me comentam, me criticam.
Desconfio dos meus amigos? Daqueles que têm a coragem de me dizer não e ralhar-me como mereço?
Que raio de mulher sou eu afinal?

quinta-feira

Pronto, falemos de mim então. Ou calo-me, hoje não me apetece falar só ficar quieta e enrolada no sofá enquanto ele abana a perna traçada e (finge) que toma apontamentos sobre a minha personalidade torcida.
Felizmente que nunca me pediu para eu me deitar. Acho que para além de amarrotar a roupa acabaría por adormecer sob a sua voz monocórdica que tenta soar sexy e perder-me-ía na cor do tecto que acho de um mau gosto a toda a prova. Verde-água. Como é possível alguém pintar um tecto e as paredes desta cor.
Relaxante, não é? Uma saloiada, isso sim. Mas calo-me, não lhe quero dar de barato conclusões que vai ter de se espremer por as ganhar assim como o meu dinheiro.
As meias que traz são de fibra sintética, brilham demasiado para serem de algodão do Egipto. Olha para as minhas pernas dobradas, os pés sob o rabo, as coxas sobressaídas sob a saia preta justa, o salto fino e aguçado prestes a romper o estofado minúsculo a verde garrafa e preto.
Vejo a cena da Stone à minha frente: ele sem calças e sem cuecas, a fralda da camisa a compôr-lhe curta os esmeros. Desfaz o movimento de pernas e traça para o outro lado, entrevejo-lhe o sexo escuro.
Desato a rir.
- Hoje estamos bem dispostos, vejo...
(Não percebe nada).
É mesmo fácil enganar estes tipos.

quarta-feira

Preciso dos meus solitários momentos em que me reservo para fazer toda a espécie de disparates. São bocados meus e não permito que haja partilha com ninguém. Talvez porque muitos deles denunciem algumas tendências esquizofrénicas que de dia tapo e até escondo e esqueço.
Uma vez por mês fujo de mim e procuro-me. De loucos, não é?
Tenho programas que planeei ou então deixo ao acaso do destino o que ele me quiser oferecer.
Mas há um de que gosto particularmente que é disfarçar-me de homem e entrar nos lavabos masculinos. Até tenho um bigode postiço e tudo. Não faço nada, limito-me a ouvi-los, um tossicar quando urinam e eu entro, nervoso, talvez receiem a aproximação e o olhar furtivo sobre o tamanho. Muitos não lavam as mãos depois do serviço. Parece que se guardam no cheiro largado como o búfalo a marcar território sobre os adversários.
Quando regresso a casa e arranco o bigode venho sempre diferente. Não sei explicar. É como entrar no mundo de Alice, não se compara a ver o parceiro que esteve connosco e vai à nossa casa-de-banho lavar-se, lá a intimidade não existe e pode-se assistir sem pudores aos tiques; cá ele tenta manter o código de perfeição que tentou embeber nas horas juntos, não vai cuspir nem correr o risco de olhar as unhas dos pés a precisarem de serem cortadas.
Não sei de que me servem estes pedaços que procuro, mas preciso deles, de mim neles para pacificar a minha condição de mulher.

terça-feira

Freud era um verdadeiro palerma, encafuava tudo nos mesmos sacos da projecção parental e nos traumas afectivos.
Ontem assisti a um recital de piano que para além de ter sido um tempo de paz foi uma descoberta de mim mesma e do meu corpo.
O pianista fez amor com a pauta, com os pés nos pedais, as mãos no teclado serviram dos melhores preliminares que já senti e até a forma como movimentava o torso ao exalar as notas de olhos cerrados me levaram a um estado de excitação e sublimação como nunca sentira.
Havía uma qualquer coisa fisica, de dentro, naquele homem que parecía atingir um gozo com sofrimento, uma dor antes do clímax na subida disparada até à explosão.
Estava suado quando terminou o recital. Eu também.
Não o desejei entre as minhas pernas, tive-o ali, de uma maneira insólita e única.
Inesquecível.
Que argumentos defendería Freud para este capítulo?

segunda-feira

- Gostas?
(Nada)
- Onde queres que te beije, diz-me...
(Era só o que me faltava...)
- É aqui que gostas, que te aperte, que te...
(Um falador!)
E contudo nada o faría prever. Um homem belissimo, um espécime daqueles que têm tudo na medida certa e não são afectados por essa vaidade que os torna tão irritantes. Tivémos conversas interessantes e disputamos ao pormenor o nosso gosto comum por vinhos. Confesso que isso me excitou... aquela forma de ele descrever o todo dessa celebração da prova, o orgasmo do palato, os sentidos a estalarem como bolhas e no final aquele veludo pós-climax que forra o corpo e a alma.
Mas na cama um autêntico papagaio e toda a poesia de escanção ausente.
Não me consegui vir e recuso-me a disfarçar nesses ataques histéricos que algumas compõem ao estilo 7ª arte.
Ele percebeu, pediu desculpa mas lá se atingiu. Como é possível?!
Irremediavelmente perdido para mim.
E desta vez até fiquei um pouco triste.

domingo

Devo ter um trauma infantil qualquer que recalquei tão fundo que não encontro um fiapo de memória que seja, mas não consigo ver ninguém a chorar. Fico perturbada, afasto a vista do rosto de quem chora, perco as palavras, não sei como consolar.
E se forem homens a questão torna-se muito mais grave. Ainda bem que vi poucos a verterem lágrimas mas esses poucos valeram por todas as mulheres. Eles são tão mais fidedignos, é quase um sangue cristalino que brota de uma imensa dor.
Mas também conheço mulheres assim: a minha mãe. Raro ela chorar. Fá-lo por dentro, escorre para dentro, não há fio de água, há um brilho mais intenso como se fosse uma estrela nos olhos que in extremis explodisse em luz por saber que se extingue no momento a seguir.
Deve ser por isso que eu poucas vezes choro. Saio a ela.
Já nem me lembro quando isso aconteceu mas acho que a última vez eu ainda estava na puberdade e tinhas as hormonas todas aos pulos, descontroladas.
Agora controlo-me e até evito, mordo a lingua se for preciso para não dar parte fraca.
E não borrar a pintura.

sábado

Há gajas que não têm a minima noção do ridiculo.
Sim, são gajas não são mulheres.
São gajas porque não podem ver nada que tratam logo de copiar o modelo e pior não se sabem manter de boca fechada. Parece que a comida lhes sai pelos cantos da boca. Depois queixam-se...
Acho incrível e uma falta de personalidade quando vão a correr comprar um vestido parecido com o meu e aparecem com aquele ar triunfante de "Também tenho um!". Pois têm, mas não têm o meu corpo e por muito que se esfarrapem não têm a minha atitude que é no fundo o que veste sem igual.
Dá-me vontade de rir aqueles rabos a abanarem como gelatina sob o fino tecido da seda. Corrijo: sob a electricidade da fibra artificial a imitar a seda.
Passeiam-se, mostram-se, debruçam os peitos sobre o colega ou o chefe. E se no refúgio pós-expediente esfregam os materiais até à fricção pelo pirilau do superior não se contêm no orgasmo verbal contado estridente na casa de banho das senhoras.
Basta ver as inscrições nas portas feitas a eye-liner baratucho.

sexta-feira

Acho que o meu melhor trunfo é acreditar em mim e na minha força e na minha capacidade de dar a volta aos problemas.
Sem vaidade alguma sei que quando entro nalgum lado as cabeças rodam na minha direcção e não é porque entro de forma espalhafatosa ou sou uma loura platinada que atraio os olhares sobre a minha pessoa.
Talvez seja da forma como ando, decidida, eu sei o que quero e quando quero vou lá buscar, trabalho para que isso aconteça mas não forço a minha presença e creio que essa é outra forma de me fazer presente, não me impingir.
Claro que não sendo feia e apresentando-me cuidada é uma mais valia. Mas não posso dizer-me linda, bela, acho que sou aquilo que os homens chamam de uma mulher interessante.
Tenho para mim que será mais cativante.
Sei perfeitamente os meus alcances e demarco o meu território, conheço os homens e as mulheres e essa cartilha é sem sombra de dúvida um passaporte para entrar no mundo deles e também para me distanciar da normalidade.

quinta-feira

Este género maravilhoso a que pertenço e a que se chama mundo feminino tem muito que se lhe diga!
As pessoas comem de tudo primeiro e sem excepção com os olhos. Não me lixem! Não me venham com essa do interior lindo que eu sei que os há que os conheço, mas esse só aparece depois. DEPOIS. Depois de se ter observado o que envolve a pessoa.
Olha-se o pacote, um e outro pormenor sobre os trapos, o jeito de colocar as mãos, o timbre, um geral que no primeiro disparo não se sabe bem captar no pormenor. A seguir a este impacto é que se começa a tirar as casquinhas do invólucro e se adiantam considerações sobre a personalidade.
Ora as mulheres são mestras na arte de proteger essa casca e na verdade um bom tailleur a acompanhar uma maquilhagem em condições opera milagres. Conheço umas quantas que têm feito do seu percurso profissional um desfile de haute couture até chegarem ao plano horizontal e que lhes dá acesso à progressão de carreira como um tiro vertical.
Eu própria já me muni destes atavios vezes sem conta, umas intencional outras inato pois não sou mulher?!
Vestida para "matar".
Mas gosto mais de despida para ser "matada"...

quarta-feira

Não sei bem como surgiu esta idéia peregrina de escrever sobre mim.
Não é o simples facto de falar de mim mas o abrir de mim que essa atitude encerra e embora o faça na forma virtual não deixo de me despir.
Há-de saber a terapia, não a do analista no consultório porque aqui nem sequer tenho que alimentar os gostos desviados dessa troupe tarada que se faz cobrar para ouvir as maluquices dos outros e se masturba no banho como acto propedêutico para o inicio do dia de trabalho.
Não tenho nada contra!
Eu própria não me nego aos prazeres do "savoir faire à la main" mas paciência! Sabem quanto custa uma sessão de análise?!
E uma "table dance"?!
Pois, é como diría o outro "fazer as contas".
O que me traz de regresso ao fazer à mão, ou seja, escrever sobre mim.

terça-feira

Cá estou eu de novo. Sentada, perna traçada, até pareço bem comportada, sem desvios, sem traumas, sem doenças invisíveis que me atormentem a estrutura de um aço embaciado e corroído.
De que falaremos hoje?
Falemos de mim, então. Dentro de um tempo contado em que espremo quieta, calada e virada para a frente todas as emoções que me abanam. Ou não. Pareço muito melhor, parece muito melhor dirão. E parecía mal?
Parecía: Essa demência de se atirar às coisas que muitos sentem mas não se deve dizer não é de menina bem comportada, é de uma louca que se esgota numa incontinência verbal, de um cio que não parece contentar-se em arranjar um, dois (já chega), na bienal necessidade de se ter sexo.
Se calhar só o devería ter na intuição frugal da procriação.
Falemos então de mim.
Que sou de farto alimento, que não me apetece andar a deitar-me nem receber nenhum missionário que se venha com os seus problemazinhos de virilidade fazer de mim tubo de ensaio.
Estou melhor, não estou?

segunda-feira

Quando conduzo abomino que me façam referências: olha o pisca, apita se não batemos, vais muito devagar, vais muito depressa, então esse ponto de embraiagem?
Encosto e peço que saiam.
Assim é o mesmo com o parceiro que me tenta guiar pelo seu corpo, que me pergunta se estou a gostar, que quer saber onde me dá mais gozo.
Caramba! Se fosse assim, mais valía entregar um livrinho de instruções antes do acto!
Pois que o verdadeiro prazer é adivinhar e experimentar no outro os caminhos que o/me fazem perder o tino e perder-se/me de si/mim.
A novidade é um click que se acciona a qualquer momento e gestos minimos e que parecem sem intenção podem desencadear um fogo enorme.
Há beijos que são o mesmo que fazer amor, tiram os pés do chão, falta o ar.
E estou absolutamente convicta que o tempo e o conhecer o outro não esgota a imaginação nem a arte do prazer.
Talvez por isso não entenda os que estão casados e encaram o sexo como uma missão a cumprir dentro dos designios do matrimónio. Acabam sempre por saltar a cerca à caça do entusiasmo perdido. Eles e elas, que isto do prazer é como o tango, tem que haver dois.
E fazer sempre o mesmo caminho com o outro a dar esticões no volante acaba mesmo por cansar e um dia não se quer tirar mais o carro da garagem.

domingo

Tenho necessidade de quando em vez aproximar-me de situações de perigo, ou até de menos convenientes para o lugar e ambiente. Gosto de as provocar e gosto que as façam acontecer. Essa adrenalina espevita-me e acelera-me os sentidos. Não falo de perigos para a saúde ou pôr em risco a vida, nada disso, encaro essas tentações como uma estupidez e o pânico que se sente acaba por ser mais relevante do que o prazer que se possa tirar.
Refiro-me a coisas minimas, quase imperceptíveis como dar a conhecer ao nosso par que não temos roupa interior por baixo quando estamos no teatro ou ele agarrar-nos num toque dos seios ao cumprimentar-mo-nos polidamente perante outros.
Há um disparo do coração. Uma salivação pelo que poderá acontecer a seguir, qual o passo que se sucede, quem instiga quem.
E gosto que aconteça várias vezes, não uma de incio para despertar o interesse mas um contínuo motivo de surpresas, nunca suspeitas, nunca denotadas, apenas cumpridas no instante em que a emoção lidera.

sábado

Tal como as mulheres há homens lindíssimos que não encerram novidade alguma dentro deles. Elas preocupam-se em serem uma cara bonita, eles em terem um bom desempenho sexual.
Não me serve este tipo de homem, preciso que fale da vida, de artes, de poesia. Mas dispenso aqueles que vêm até mim comungar sobre antigos amores ou a última decepção amorosa e ainda os outros que falam até à exaustão sobre as suas capacidades e me comparam a todo o instante à fulana X ou Y.
Detesto comparações. Olha se eu os fosse comparar entre eles, dar-lhes uma pontuação na minha escala pessoal e transmitir-lhes o lugar em que ficaram? Decerto murchavam no minuto!
Há toda uma conversa que precisa de ser feita numa aproximação a dois, declarar o jogo ao fim do primeiro tempo é desmotivador, é igual a ir-se directo ao assunto sem passar pelo jogo dos olhares e dos toques, saltar os preliminares e afundar-se num poço seco.
Perde-se o encanto, o esmero, a vontade.
O que constrói um momento que se lembra, "o momento" é precisamente o percurso feito e é isso que me cativa e me leva a dar o troco.

sexta-feira

Entusiasma-me a idéia de ser predadora. No contexto do namoro, entenda-se. Não sou de andar aí a matar neles pelo gosto de matar mas a fase das corridas, fugas, esconderijos e surpresas delicia-me. Cada vez estou mais exigente e já não me servem abordagens como a clássica conheço-a de algum lugar, que me leva logo para milhas de distância. Preciso de algum esforço da parte contrária, arte, artes para me motivar a dar o troco.
Claro que a situação inversa também já aconteceu: eu querer e ter que fazer por.
E se eu me aprimoro nestes embarques o exigível é que procedam de igual forma.
A intuição é o meu maior guia mas já apanhei desilusões à conta dela e se de inicio a deixo tomar o barco a partir do momento em que a coisa se torna mais séria, tomo eu conta do leme. Ela só volta a agir no acto em si (e se chegar a esse ponto) para me tornar o bocado de animal que sei alimentar e sossegar.

quinta-feira

Nem todos os meus amigos são amigos entre si. São todos diferentes com olhares bem opostos sobre o mundo e isso coloca-me perante a diversidade do meu carácter pois se gosto deles todos de igual modo, sem atender a um padrão, onde me encaixam eles?
Fico assim sem perceber o que faz de mim aquele pedacinho especial e diferente em todos que eles estimam.
Ou serei eu um leque de vários pedacinhos demonstrando ser várias pessoas... Que estou certa de que não uma só embora una, que até a mim por várias vezes me surpreendo.
É nestas alturas que recorro ao saco do lixo e procuro encontrar bocados de mim enraizados nos outros, uma explicação com argumento bastante que me faça luz sobre o pouco de ciúme que sinto quando sei dos meus amigos com amigos deles sem eu estar junto.
Não sei explicar mas que me põe indisposta isso é bem verdade.
Reajo racionalmente, engulo em seco e ouço falarem-me da noite fantástica que tiveram. Sem mim. Isto é estúpido pois o que tenho mais são noites fantásticas sem eles, sem os meus amigos e nem por isso lhes adivinho o nó que a mim me dá.
Ou então reajem como eu, engolem e racionalmente sorriem.

quarta-feira

Não tenho muitos amigos, mais homens que mulheres. Dizem-me que é normal. Que as mulheres se acham afrontadas pela minha atitude, que os homens se encantam por essa mesma atitude.
Tenho os amigos que mereço ter. Os que me entendem e não me condenam por essa "atitude". Os que me dão palavras ásperas quando não concordam comigo e que tomam um copo quando surge algum êxito.
Nunca me deitei com nenhum dos meus amigos, nem com eles nem com elas.
Há uma relação carnal nas palavras que nos oferecemos, é esse o nosso sexo.

terça-feira

Já me apaixonei. E até amei. Depois passou. O tempo ajuda a apagar muitas coisas, muitas dores e lágrimas, muitas noites sem dormir, muitas perguntas por satisfazer. Não esqueci do que senti, apenas se tornou fácil pensar no assunto sem amargura, sem ódio até.
É bem verdade que o amor e o ódio estão perto um do outro, dois anjos que decidiram seguir caminhos diferentes e tantas vezes o percurso vai dar a um cruzamento sem se saber de quem é a prioridade: chocam. Há penas das suas asas que ficam a planar desse embate.
É aí que eu estou. Já saí do sitio da colisão, sei a que sabe o amor e também provei do ódio logo a seguir, como uma sequela consequente do desastre.
Neste momento sou as penas.
Um dia destes ainda volto a apaixonar-me e quem sabe?! talvez o amor, talvez...

segunda-feira

Nunca usei da persuasão feminina ou dos dotes da sedução para conseguir fosse o que fosse. Profissionalmente sou competente e para não depender de ninguém tenho a minha própria empresa, que verdade seja dita, escusa-me a muitos dissabores. Sou conhecida no mercado como fria e aguerrida e essa fama agrada-me, mesmo que se refiram a mim nos wc como cabra. E por vezes tenho mesmo de o ser, fechar os olhos a sentimentalismos e objectivar-me, se quiser continuar a ter os clientes a pagarem e eu a poder comer e satisfazer os impostos ao estado.
Mas nem mesmo na esfera da emoção e da carne me permiti vez alguma dispôr da minha condição feminina e fingi subjugar-me à vontade de outrém, imitar o arfar do orgasmo ou até proferir a palavra amor em vão.
Que já a disse.
Nunca me esquecerei desse momento.

domingo

Tivémos um jantar fabuloso de ostras e champagne, mousse de café e natas ácidas à sobremesa. Serviu-me do seu dedo à minha boca, eu à dele. Descalcei-me, rocei o meu pé nas suas canelas por baixo das calças, senti o canhão das meias, trepei até ao meio das pernas, duro, entusiasmado.
Abraçou-me em pequenos apertos, deslizando as palmas pelas minhas nádegas. Levou-me ao quarto, despiu-me o vestido, pediu-me para ser eu a tirar a roupa interior. Ele assistiu recostado na cabeceira da cama. De quatro cheguei a ele, beijei-o, mordi-lhe o queixo, abri-lhe a camisa, dei-lhe um chupão no pescoço, abri o fecho das calças e descobri-o. Entrei.
Foi um acto lento, saboreado, pequenas atenções da língua dele nos meus mamilos, olhos nos olhos até ao fim, ele primeiro mas soube levar-me lá.
Ficámos em silêncio, engatados, ele naquela posição de semi-sentado, eu uma amazona.
Estava tudo perfeito, sentía-me bem, bem, bem.
- Foi bom para ti?
De repente a música desapareceu, as borboletas caíram de asas queimadas.
Levantei-me num ápice e embrulhei-me na colcha da cama.
- Tens de ir, só agora me lembrei que tenho de me levantar cedo.

sábado

Não gosto de ser escolhida, gosto de ser seduzida. Gosto de ser eu a escolher o meu par mas preciso sempre daquele encanto de ser a mulher, oferecerem-me flores, galanteios, abrirem-me a porta do carro, puxarem a cadeira para eu me acomodar, levantarem-se quando eu entro.
Digamos... que sou uma mulher moderna que aprecía as mordomias do antigo.
Isto leva-me à igualdade de sexos. Quero acreditar que acredito. Mas na verdade creio que há coisas que só os homens devem fazer e as mulheres têm outras destinadas que só a elas compete.
Machismo? Pode ser. Mas também não consigo deixar de ver muito machismo na crença cega e fundamentalista do feminismo, atirando com tudo o que é graciosidade e harmonia do gesto para uma macheza mal amanhada e grotesca.
Que se lixem as feministas! Afinal isto é a confissão do eu. EU! Aqui mando eu, falo eu, quer gostem ou não, concordem ou nem por isso.
Gosto de ser mulher mas não nego que bastas vezes a ausência do falo me deixou coxa em certas intenções.
Não só admnistrativas mas também nas do sexo.
Voltamos ao principio?...

sexta-feira

Estou no pico do estádio de se ser mulher.
Perdi a evangelização que se adquire dos 15 aos vinte, o temor dos 25 em dizer não e fracassar em tudo, atingi a calmaria que os 30 aporta e neste momento disfruto da década de ouro.
Sou eu que escolho.
Escolho cuidar-me para mim primeiro que tudo, ter um bom corte de cabelo, a pele lisa e macia, as unhas tratadas, os musculos firmes das corridas que faço todas as manhãs.
Conheço muitas mulheres que chegaram aqui e esqueceram-se delas, parece que só o marido e os filhos existem, elas são apenas mãos para servir e pernas para afastar à noite.
Não me quero assim, nunca o quis. Talvez por isso não tenha um marido nem filhos. Tenho-me a mim, tenho amigos, tenho amantes e tenho crianças.
Não as condeno por se encontrarem na sua condição de casadas e de mães, até o aprecio. Nelas. Mas aponto-lhes toda a responsabilidade de se terem esquecido de si mesmas como individuos e muito principalmente de se terem anulado como mulheres.

quinta-feira

Se os homens falam abertamente entre eles das suas conquistas e são tomados como machos porque serão as mulheres rotuladas de malucas?
Se um macho é conhecido pelos seus feitos é viril, a mulher que é sabido ter tido vários homens na sua vida é puta.
Eu tive vários homens e espero vir a ter mais. Nunca cobrei pelos serviços prestados, quer por mim, quer por eles. Não os tomei na minha cama como alugueres nem eles a mim me tiveram como paga de alguma promessa.
Não me sinto puta, sinto-me mulher.
Diferente das outras mas sempre mulher.

quarta-feira

- Entre. Feche a porta, por favor. Sente-se.
Ele entrou, fechou a porta do meu gabinete com um ruído seco e sentou-se. Traçou a perna, pousou as mãos sobre as pernas apoiando os cotovelos sobre os braços da cadeira. Senti distintamente o perfume, o aftershave, ainda é cedo, daqui a nada vai cheirar à comida do café aquecida no micro-ondas onde almoça todos os dias e aquele cheiro de fritos dos croquetes e rissóis vai empapalhar-me o fato.
- Sabe porque o chamei aqui?
Vai aclarar a voz antes de me tentar responder lucidamente. Sem dar a entender que está nervoso. Depois há-de lembrar o projecto que está atrasado e que devería ter entregue a semana passada; deve achar que eu me esqueci do prazo por não lhe ter voltado a falar no assunto.
- Não é nada disso. Chamei-o aqui por uma desculpa estúpida, no fundo o que quero de si nada tem a ver com trabalho.
Ele vai calar-se e abrir os olhos. Muito. (Porque será que toda a gente abre muito os olhos quando quer entender bem o que lhe dizem? Não sería melhor que as orelhas crescessem?!)
- Chamei-o aqui porque quero comê-lo. Quero que me fornique, você dá-me um... como hei-de dizer?
E agora?
Perdeu o pio? A cor? Quase ouço a respiração dele, o cheiro do perfume e do aftershave aumentaram, ele está a transpirar, o coração disparou.
- Está a ouvir-me?
Ele ouviu mas não sabe se está acordado.
O problema é esse: porque será que quando as mulheres tomam a iniciativa destas propostas os homens ficam que nem estátuas?!

terça-feira

Falemos de mim, então. Falemos porque precisei de abrir o livro e contar coisas que acabam por fazer de mim uma anormal, uma desviada, por vezes nem mulher nem homem, apenas um cérebro gigante com pernas que se desloca e recolhe num saco de lixo opaco pedaços de pessoas e de coisas e o carrega às costas, pesado e leve, tudo depende do ânimo, da condição humana em que eu própria me transporto e assisto.
Abro esse saco tantas vezes, vasculho, sujo as mãos até aos cotovelos, sangue, há sempre sangue das dores das idéias que permanecem sem fim à vista, um tempo que começa a encurtar para o plantio e colheita, encontro também bocados de mim misturados com o de outros a ganharem raízes.
Chamam-lhe lembrança.
Deve ser por isso que cada vez mais o saco se avoluma e eu entendo melhor o que se passa à minha volta... doutras vezes não percebo nada, cego-me, apalpo ao redor e caio sem chão.
Falemos de mim, eu falo de mim, só eu posso fazê-lo, só eu trago aqui tudo o que de mim se compõe e por achar que noutros não boiam estes monstros fá-lo-ei egoísta e na 1ª pessoa. Rude, cheia de vértices, sem tabus nem adornos.