terça-feira

Falemos de mim, então. Falemos porque precisei de abrir o livro e contar coisas que acabam por fazer de mim uma anormal, uma desviada, por vezes nem mulher nem homem, apenas um cérebro gigante com pernas que se desloca e recolhe num saco de lixo opaco pedaços de pessoas e de coisas e o carrega às costas, pesado e leve, tudo depende do ânimo, da condição humana em que eu própria me transporto e assisto.
Abro esse saco tantas vezes, vasculho, sujo as mãos até aos cotovelos, sangue, há sempre sangue das dores das idéias que permanecem sem fim à vista, um tempo que começa a encurtar para o plantio e colheita, encontro também bocados de mim misturados com o de outros a ganharem raízes.
Chamam-lhe lembrança.
Deve ser por isso que cada vez mais o saco se avoluma e eu entendo melhor o que se passa à minha volta... doutras vezes não percebo nada, cego-me, apalpo ao redor e caio sem chão.
Falemos de mim, eu falo de mim, só eu posso fazê-lo, só eu trago aqui tudo o que de mim se compõe e por achar que noutros não boiam estes monstros fá-lo-ei egoísta e na 1ª pessoa. Rude, cheia de vértices, sem tabus nem adornos.

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