quarta-feira

- Descreva-me o que sentiu.
- Não senti. Deixei de sentir.
- Refere-se ao peso do corpo...
- A tudo.
- Defina esse tudo.
- Tudo! Sei lá, tudo!
- Já me disse que deixou de sentir o corpo. Agora refere que foi mais do que isso.
- Muito para além disso.
- E foi o quê?
- Qualquer coisa que não se vê mas está cá dentro... o meu saco...
- Como? Não percebi!
- Nada, nada...
- Como assim? Fala-me de um saco... não percebo.
- O que eu quería dizer é que é uma coisa que pesando muito não se vê. Mas pesa. E eu deixei de lhe sentir o peso...
- Incomoda-a falar de alma?
- Que é isso da alma?!
- Não sei, diga-me a Edna...
- Chamar-lhe-ía mais tranquilidade...
- Consciência? Consciência tranquila? É isso que quer dizer?
- Não! Eu tenho sempre a consciência tranquila!
- Mesmo no caso dessa relação que entrou em rota de colisão...
- De forma alguma! Não houve caminhos que nos fizessem bater de frente!
- E no entanto a separação deu-se. Acha que essa tranquilidade de que me falou quando estava na banheira é a constatação de uma realidade?
- Não...
- Talvez, por fim, tenha realizado que jã não há relação, que o tempo que tem andado a viver, ou melhor, reviver, é o da separação, o da ruptura como lhe chamou aliás...
- Não perco tempo com constatações. Esse foi um facto, nada fará mudar o que aconteceu! E de maneira alguma revivo coisas! Não tenho tempo para isso!
- Mas naquele dia na banheira tudo voltou, não foi?
- Não!
- Não?
- Não.
- Quer acrescentar alguma coisa à nossa conversa? Algum pormenor de que não tenhamos falado...
- Troque de peúgas. É-me dificil concentrar quando você está de peúgas brancas.
- Desculpe?
- Ah! E já agora e para terminar! São mesmo brancas! As minhas cuecas! É que hoje apeteceu-me trazer cuecas vestidas!

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