sexta-feira

- Entre. Feche a porta.
Deve ter vestido o casaco para falar comigo, não lhe vejo os punhos da camisa, deve ter as mangas enroladas, ainda vem a ajeitar o nó da gravata ligeiramente folgado do colarinho desapertado.
- Por acaso sabe quem trouxe isto?
- Não sei. Estava ao telefone.
- Mas foi você que me trouxe o ramo.
- Foi a mim que a Susana o entregou, só por isso.
- E porque não foi a Susana a entregar-mo?
- Bem, suponho que é por ser eu que venho aqui ao seu gabinete...
- O chefe da equipa a entregar um ramo de flores?
Abre os braços levemente num gesto de quem não tem grandes explicações para adiantar. Esta gente acha que vir ao meu gabinete é o mesmo que ser chamado ao quadro para resolver uma equação matemática. Fogem de entrar aqui e se lhes peço para fechar a porta devem imaginar que os chacino.
- Mas olhe que é um bonito ramo...
- Para quem gosta de flores campestres, não faz o meu género.
Tossicou levemente, quase lhe adivinho um sorriso trocista mas controla-se.
- Sabe quem foi o estafeta que veio trazer o ramo?
- Não, não liguei muito, estava ao telefone como lhe disse, mas posso perguntar à Susana.
- Deixe. Não perca mais tempo com isto.
Vira costas, deita a mão ao puxador para abrir a porta e saír, hesita, olha-me.
- Quer que arranje uma jarra com água?
- Não se preocupe, já têm lugar para onde ir.
Peguei no ramo e enfiei-o no cesto de papéis.
- Edna! Vai...
Cala-se. Conhece-me. Sabe que não vou fazer comentários. Encaro isto como uma brincadeira de mau gosto. Algum esperto que de todo desconhece como funciono achou que me faría um agrado ao enviar-me um ramalhete de malmequeres com um girassol descomunal.
Esta treta de admiradores secretos é uma estupidez, não lhe acho graça nenhuma.
Acho que mesmo que fossem gladíolos roxos não lhe acharía piadinha. A ver se a mulher da limpeza não se esquece de vazar o meu caixote do lixo.

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