terça-feira

Falemos de mim, então.
Do que estes dias de ausência me trouxeram ou talvez não.
Continua tudo na mesma, cruzo-me na sala de espera com as mesma caras de sempre. Provavelmente arrastar-se-ão por décadas neste vicio de falarem de si, ele continuará a fazer os seus jogos de palavras informando ciclicamente que houve grandes avanços e este banho-maria manterá as duas partes contentes: os pacientes por despejarem o saco, ele por manter o porco a engordar.
Falemos de mim, pois, e destes golpes que tenho sentido na carne. Feitos a chicote, não sei de onde vieram, apenas senti o ardor a estalar no lombo pela surpresa: ele, as férias, a Paula e o Daniel, até o Magalhães. E eu.
- Está com bom aspecto! Que bem lhe fizeram as férias!
(Apetece-me abrir as pernas e descrever-lhe como o sueco me tratou).
- E como estamos?
(Detesto esta conversa do "nós").
- Vamos falar destes dias? Alguma coisa para revelar?
- Não.
- E como se sente?
- Bem.
(Vais ter que suar para ganhar a sessão).
- E esse encontro? Tem vontade que ele aconteça de novo?
- Não.
- Significa que se estivesse ao seu alcance nada faría para que ele acontecesse?
- Exactamente.
- Mas no entanto é uma relação que a deixa conturbada, talvez precise de ser esclarecida... Disse-me que houve uma separação sem discussão sobre o assunto...
- Foi uma ruptura, não uma separação.
- Encara-a de modo definitivo?
- Arrumada.
- E no entanto, perturba-a ver que do outro lado a vida seguiu.
- Do meu também.
- Inconstantemente? Dado a procura nos vários parceiros sexuais que tem tido.
- Gosto de sexo. Apenas isso. Não são relações amorosas.
- E se se proporcionasse voltar a ter sexo com ele? Faría para que isso acontecesse?
- De modo algum. Já o conheço. Pretendo coisas novas.
- No entanto, agita-se interiormente pela surpresa que as situações da vida lhe têm posto à frente, o que a faz entrar em contradição. E em conflito consigo mesma.
Não estou com pachorra para ouvir este gajo a falar do que já sei.

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