quarta-feira

Preciso rapidamente de redecorar o quarto de hóspedes.
Sinto que quando o fizer alguma coisa mudará. E no entanto, esta falta de objectividade em localizar o que se passa de facto comigo nos últimos tempos, irrita-me. Esta "uma coisa" que não sei identificar não faz parte da minha essência e nunca me encontrei realizada em actos tão comezinhos como decorar um cómodo para dar resposta ao mal-estar que me atacou.
Não sou mulher de feitiçarias, talismãs ou crente em maus-olhados.
Acho essas coisas de uma pobreza mental a toda a prova. Baseio a minha vida em factos, soluções e suposições só se forem como meio de raciocinio para atingirem uma lógica.
Já me basta o meu saco de lixo para a parte que não controlo, toda a emoção que tolhe a conduta.
Das vísceras que o enchem deparo-me com lágrimas, as poucas que habitualmente solto, ouço sons de dor e reconheço-os como ecos da minha voz.
O meu saco do lixo tem vindo a pesar toneladas, carregou-se sem eu dar conta, não sei se o consigo aguentar. E no entanto é um peso sem partilha, não posso nem quero pedir uma mãozinha para me ajudarem a transportá-lo, é meu, salvaguardo-o de candidatos a parceiros, resguardo-o de olhares indiscretos.
Abro o saco e retiro de lá um quarto de hóspedes em miniatura, pintado a vermelho sangue, o meu. Foi lá que passei a noite quando ele se foi e quando o reencontrei. É frio, vejo alguém enrolado, joelhos ao queixo, uma posição fetal, está de olhos abertos, não consegue fechá-los e tranquilamente descansar sem pensar que vai ser atacado a qualquer instante.

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