domingo

- Entre, feche a porta. Sente-se. Sabe porque quero falar consigo?
- Não... bem, talvez por causa deste cliente tão exigente... Parece que não acertamos, não é?!
Dá uma gargalhadinha, compõe a franja degradée, traça a perna, sinto-a confortável.
- Não, não é.
- Não é?
- Não. Clientes exigentes sempre temos tido, são eles que nos pagam e nos despertam o espirito empreendedor. A questão aqui é o seu desempenho, a sua performance.
- Como assim? Não está satisfeita com o meu trabalho?
- Francamente não. Nos últimos tempos o seu rendimento baixou. Que se passa?
- Não concordo consigo!
- Isso não me interessa. Aliás não estamos aqui a falar de juízos de valor. Mas sim de produtividade e como há-de convir isso é uma situação clara: ou se tem ou não.
- Não acho nada!
- Já sei, está a repetir-se. Quer falar sobre o projecto? Que se passa? Não a motiva?
- Não, não, de todo!
- Então?
Encolhe os ombros devagar, volta a compôr o cabelo, tamborila com as unhas pintadas de vermelho escuro sobre os braços da cadeira. Ficamos assim a olhar uma para a outra.
- Ouça, o que os meus empregados fazem uns com os outros é-me indiferente. Mesmo que o façam na hora de serviço. Mas não aceito que um projecto saia prejudicado à conta disso, percebe?
- Não estou a ver...
- Falemos bom português: estou-me nas tintas para as trancadas que você dá com o Daniel. Até o podem fazer aqui na casa-de-banho à hora de almoço...
- Desculpe???
- Deixe-se desse número, sabe bem o quanto me irrita perdermos tempo!
- Mas...
- Mas nada! Se quer saber até acho que esses fornicanços acabam por ser uma mais valia. Você anda mais contente, ele também e o trabalho devería seguir a velocidade de cruzeiro. Mas não, você perdeu-se, deixou de estar focada, o rendimento caíu.
- Eu, eu... sabe o que é?
- Espero que mo diga.
- Estamos com problemas, o Daniel vai falar com a mulher, vão separar-se...
- Ora! E você acredita nisso?
- Juro! É verdade!
- Isso é uma história batida! O Daniel não se vai separar. Para quê? Anda todo contente!
- Não é verdade...
Rompe num pranto silencioso, vejo o corpo a agitar-se pelos soluços que tenta engolir.
Só me faltava esta!
O meu escritório e o meu gabinete transformados em consultório sentimental!
Daqui a nada estou a ler a sina...

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