domingo

O Magalhães tinha as chaves da minha casa. Abriu a porta da minha casa, sabía onde a mão podia encontrar os interruptores, o que significa que já cá esteve antes. O que significa que teve tempo mais que suficiente para vir cheirar por aqui o que lhe apeteceu.
A casa estava fria. Tudo arrumado, nos sitios que recordo, a minha escova de dentes à minha espera como se a tivesse usado pela manhã, as bisnagas dos cremes apertadas pela marca dos meus dedos, tudo, tudo, como se nada tivesse ficado interrompido.
O quarto de hóspedes está sem mobilia; primeiro achei estranho mas o Magalhães recordou-me os meus planos sobre a redecoração do quarto mesmo em vésperas de me dar o treco.
Trouxe-me um copo de água, abriu os cortinados e olhou para mim muito sério. Sentámo-nos. Perguntou-me o que eu quería fazer a partir de agora. Tomar um banho como deve ser. Sorriu. Ficámos não sei quanto tempo sem dizermos nada um ao outro. Depois olhou para as minhas mãos a tremer, agarrou-as e disse muito baixinho o que é que eu me tinha feito...
Foi nesse instante que senti o tempo parar, que me lembrei do meu saco de lixo, cheio, pesadissimo, tanta coisa para ver dentro dele, procurar, emparceirar membros, remexer e acertar todo o sangue que anda à solta à medida das veias que se perderam no fundo como cordas de um navio que se soltou do ancoradouro.
- Deite-se Edna, descanse. Eu falo com a sua Mãe, não se preocupe.

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